domingo, julho 31, 2011

Um legado do avô



















Em presença deste sumário de inquietações, mudanças e perseguições, não posso dizer que fiz uma carreira oficial, digna de apresentar-se como exemplo a seguir por quem tenha ambições ou aspire à satisfação de as ver realizadas.
Confesso-me inocente da culpa de haver nascido com alguma tendência para endireitar o mundo, em cada caso ouvindo pessoas discretas dizerem-me que era torta a vara da minha justiça. Então olhava para ela e parecia-me direita.
Vida estéril, inútil para os outros e para mim, resta-me lamentar que estes trabalhos, penas e sacrifícios, de nada tenham servido para bem da comunidade nacional, vendo-me obrigado a reconhecer com melancolia a força de verdade do velho prolóquio: quem serve ao comum, não serve a nenhum.
Esta amarga experiência poderá talvez servir de aviso aos que não tenham força para renunciar a interesses e vaidades, mantendo apenas a honra de sermos nós mesmos na firme coerência dos passos nos trabalhos e ciladas do mundo. Para esse fim, ouso supor algum tanto proveitosa a lição que se poderá colher da biografia oficial de quem nunca se atravessou no caminho dos outros.
Quanto a mim, neste cabo da vida, sem desejar compensações nem alimentar esperanças, nem por glória ou vanglória, quereria seguir outros caminhos se houvesse de tornar a nascer.
Nesta conformidade, leitor malévolo, aconselho-te o riso e prescindo da tua piedade, ao assegurar-te de que voltaria incorrigivelmente a lutar pelas razões da verdade e da justiça, aumentando as folhas deste cadastro, ao serviço da Nação Portuguesa.

Lisboa, 18 de Agosto de 1952.
Hipólito Raposo in Folhas do meu cadastro Vol II

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