domingo, setembro 25, 2011

Temos Grande Vigarice


http://pt.wikipedia.org/wiki/TGV

O assunto TGV, também conhecido por Temos Grande Vigarice, vem à tona ciclicamente e os ciclos têm-se tornado cada vez mais curtos, porque não há maneira de sabermos em que é que ficamos.
Voltando atrás, o chamado clube dos 5 daqui e o clube dos equivalentes no país vizinho, com o alto patrocínio da oligarquia bruxelense, acharam que era uma grande ideia (bem desconfiamos quem lhes vendeu a dita ideia) ter um comboio caríssimo em alta velocidade, ligando Lisboa a Madrid.
Vai daí, alta propaganda da ligação à Europa, do fim do periferismo deste recanto, de um país só ser realmente um país “moderno” com TGV, de uma obra para a história, enfim, o costume.
Nunca disseram ao povo aquilo que o povo certamente teria direito de saber. Não era necessário, pois então? Para quê? Os senhores engenheiros e políticos é que sabem!
E algumas perguntas simples na altura seriam, por exemplo, quanto se iria gastar de fundos comunitários e nacionais, quanto tempo ficaria Portugal a pagar (ou seja, até aos trinetos ou ad aeternum?), se seria rentável e quando (http://youtu.be/3jR5dZ9aAHg), se não era rentável, quanto nos custaria por ano…
Depois começaram a falar em suspensão por causa da falta de dinheiro. Suspensão… Não desistência.
A seguir aparece a ideia do comboio de mercadorias para ligar ao Porto de Sines. Não tardou em passar ao TGV Light, mágica solução contra a obesidade (embora os médicos já tenham avisado que os produtos light são enganadores). Agora falam em sanduíche mista.
Um dos argumentos mais invocados é a perca de fundos comunitários. Ora essa… Então não é a própria Europa que sabe a situação em que estamos e supostamente até nos está a ajudar? Se quer o nosso bem e projectos com cabeça tronco e membros, vai financiar um que nem é rentável? Afinal quem é que não é bom gestor? Ou será que é por haver empresas de determinados países que estão interessadas em vender e por isso a tal senhora Europa fecha os olhos?
Será que Portugal vai cair na asneira da Grécia e desatar a comprar coisas caríssimas a empresas de certos Estados membros mesmo que não precise delas (a Grécia, já em austeridade foi empurrada a comprar fragatas e submarinos, ver “Broke? Buy a few warships, France tells Greece” ou aqui “Greece announces agreement on German U214 submarines”). 
Se a Europa quisesse verdadeiramente o desenvolvimento dos Estados membros, só poderia ver com bons olhos que, em alternativa a projectos megalómanos e ruinosos, se aplicassem os mesmos fundos na melhoria das ligações ferroviárias e rodoviárias já existentes. Ou não?
Quanto à linha de mercadorias, é mesmo aquela linha que é necessária, ou será outra linha noutro sítio? O que serve melhor os interesses das empresas exportadoras? São esses interesses que deviam estar em mais jogo, não é? Os das importadoras supostamente não deviam interessar tanto… E querem à viva força ver se a cratera Porto de Sines diminui o buraco, esquecendo-se que é um elefante branco sem salvação, e nos devíamos voltar antes para encontrar soluções que reanimem a economia portuguesa, a indústria portuguesa, a agricultura portuguesa.
Ainda ninguém percebeu em que ficamos afinal. E continuamos a querer respostas a perguntas, opiniões de especialistas na matéria e independentes, estudos de viabilidade…
Por isso, seja qual for a decisão, a sociedade civil tem de deixar de ser manipulada e passar a ser exigente. Exigir essas contas, estudos e opiniões independentes de todos os sectores.
Já agora, a manterem-se estas teimosias, se me permitem, gostava de um referendozinho, para ter finalmente a oportunidade de expressar o meu veemente NÃO com força de lei.

sábado, setembro 24, 2011

Fim-de-tarde alado



Como é sabido, os pássaros, talvez com algumas excepções, são muito gregários. Adoram voar em gangs, a que chamam prosaicamente bandos e sempre que um pousa, pousam logo uns cinco ou seis, mesmo que por vezes, no fio de alta tensão, tentem ser discretos e deixem algum espaço entre si fingindo não se conhecerem.
Até quando a sua vida familiar os leva a desleixar um pouco os outros, para dedicação à construção da sua casa, apoio à maternidade e educação da prole, arranjam sempre forma de não faltar ao acontecimento diário mais importante na vida de um pássaro verdadeiramente digno desse nome: o fim-de-tarde.
Ponto de encontro, a sala. A maior árvore das redondezas, quer seja uma inesperada araucária no meio da cidade, quer um carvalho centenário. É o restaurante gigante dedicado a casamentos e baptizados que eles adoram, pois permite agregar todo o bando.
Em alternativa, recorrem às árvores em linha das cidades ou aos pequenos bosques no campo, onde conversam em pequenos grupos mas conseguem ouvir e estar a par de todas as quadrilhices das árvores alheias, como os restaurantes que têm espaços limitados por tabiques e que são tudo menos privados, por mais que lhes dêem pomposamente o nome de privés.
É nesse fim-de-tarde que a conversa é posta em dia. Todos relatam animadamente as suas aventuras e percursos diários, recorrem à má-língua para tornar a conversa mais lúdica, e parecem a minha família espanhola, falando incessantemente alto e ao mesmo tempo, sem deixarem de se ouvir mutuamente.
Contar anedotas é uma das actividades mais apreciadas, e quando uma lhes cai no goto riem às gargalhadas de tal forma que levantam num breve voo em disposição circular, pairam ainda em círculo por segundos e dando elegantemente a volta, regressam aos lugares marcados, para continuar a conversa antes de regressar a casa.
Às vezes, somos. Pássaros. Até nos fins-de-tarde.

sexta-feira, setembro 02, 2011

Esboço de memórias do campo


Fazer o seu próprio pãozinho ao lado da Chica, copiando-a fielmente a amassar, esmurrar com os nós dos dedos e benzer a massa, depois esperar ansiosa que o forno a lenha o coza, detectá-lo no meio dos pães grandes na pá e orgulhosa apresentá-lo na mesa do lanche.
Fazer o seu próprio queijo fresco, à frente da Chica, apertando com vagar o leite coalhado para sair o soro, colocar o cincho, polvilhar de sal grosso e apresentá-lo à mesa do jantar.
Migar couves para as galinhas, sentada numa cadeirinha com um alguidar entre as pernas, e misturar depois com o farelo.
Regar a horta com o Adriano Lourenço, marido da Chica, dos homens mais fascinantes que conheci. Não sei se tinha a 4ª classe, mas adorava Camilo Castelo Branco e tinha lido todos os seus livros. Um poço de sabedoria sobre tudo o que tinha a ver com jardins e hortas e bichos e histórias e Camilo.
Ver a água a precipitar-se nos regos da horta. Controlar a quantidade, rápidamente tapar o caminho com a enxada e abrir a entrada de outro rego, numa sensação eufórica de poder e controlo absoluto.
Ir aos figos, com as recomendações proverbiais: têm de ter capa de pobre, pescoço de donzela e lágrima de viúva!
Ir às amoras de cestinha no braço, e comer mais do que as que se apanharam.
Ir aos medronhos mais que maduros, ao sol, em Agosto, apesar da proibição.
Apanhar marmelos para fazer marmelada e comer um, bem adstringente, pelo caminho.
Escolher arroz, descascar ervilhas, depenar galinhas, untar os queijos com azeite, envolvê-los em palha e pô-los numa talha de barro.
Ir à fonte e beber de um cocho a água gelada mesmo de Verão.
Andar a cavalo. Galopar na charneca, sózinha.
Ir de bicicleta a todo o lado. Observar as ovelhas, as marrãs, as vacas.
Construir uma jangada para a barragem, com câmaras-de-ar gigantes roubadas ao tractor ou à ceifeira, tábuas e cortiça.
Escolher uma cana-da-índia, arranjar fio, chumbada, anzol e miolo de pão e ir pescar achigãs à barragem. Pescar um achigã e o primo, com cana de pesca à séria, não pescar nada.
Montar castelos com fardos de palha um em cada ponta do gigantesco celeiro, trepar até ao cimo e depois atirar os fardos para o castelo dos outros, mesmo com o risco da brotoeja certa.
Pequena amostra do que não se esquece.