domingo, novembro 27, 2011

De Ernst Jünger

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Do pouco que ainda li do Ernst Jünger retiro, por exemplo, isto:

...É um bom presságio para nós o facto de a nossa memória orientar a história segundo estas estrelas de primeira grandeza. Na verdade nesse ponto igualamos os astrónomos, sendo o seu domínio o visível; apenas uma grande luz pode cruzar os espaços infinitos, apenas uma consciência intensa atravessa os bancos de bruma do tempo.
...Mas continua a ser surpreendente como, apesar dos séculos, modelos e exemplos mantiveram o seu brilho se pensarmos na força com que o brutal e o informe ressurgem sem cessar. Neste sentido, A Odisseia é a grande epopeia da razão lúcida, a canção do espírito humano, cujo caminho através de um mundo cheio de horrores elementares e de monstros cruéis, apesar da resistência dos deuses, conduz a um fim.

in O Coração Aventuroso "Das abenteuerliche Herz. Figuren und Capriccios."

terça-feira, novembro 22, 2011

Carta à minha operadora


22 de Novembro de 2011

Exmo. Sr. ou Sra.:

O meu nº de cliente é ---------, a morada ---------------------------------------, e os meus contactos principais são: ---------------------------.

Tinha intenção de solicitar a rescisão do contrato que tenho com a ---, cujo prazo de fidelização terminou em 28/10/11, uma vez que a data de “estado” indica 28/10/10, conforme prints que anexo.

Segundo fui informada telefonicamente, afinal o período de fidelização terminaria em Fevereiro de 2011, ao que me indicam por ter recebido um telefonema nesse mês a informar gentilmente (uma oferta unilateral que aqui a tola achou que era bondade vossa) que a Internet passaria de 50 para 60 Mb.

“Esqueceram-se” de informar que a contagem do período de fidelização recomeçaria.

Ainda há quem diga mal dos ciganos. E afinal não são só os políticos.

Faço notar que essa tal data de Fevereiro não consta em lado nenhum a não ser no vosso sistema interno. Viva a transparência!

Por isso, ao invés de rescindir vou ter de ficar até Fevereiro, porque pelas minhas contas teria de pagar 930 €, verba de que não disponho (se não for este o valor, agradeço ser informada, como vosso último gesto galante em tentativa desesperada de provar a honestidade que não possuem).

E não, embora esteja a pagar o balúrdio de 62.40 € mensais pelo pacote, não quero renegociar, porque senão o período de fidelização iria aumentar, seja para 12 ou para 24 meses. Aliás apenas me ofereceram a hipótese de um pacote uns 10 euros mais barato.

O que quero agora, é desligar-me de vocês PARA SEMPRE.

Solicito assim que me seja enviada, no prazo de uma semana, a prova de que efectivamente acedi ao proposto e que fui informada de que o período de fidelização recomeçaria, bem como da data exacta em que termina esse tal alegado prazo de fidelização.

Um recado para a Direcção Comercial. Se não fosse esta circunstância, podia ser que até um dia voltasse a fazer contrato convosco. Assim garantiram que nunca mais.

Se tivessem consciência, poderia pensar que não dormiriam bem. Já percebi que não a têm. É pena.
Com políticas destas há-de chegar o dia em que não há clientes.

Farei a divulgação que entender da situação e as tolas como eu que ainda acreditam na honestidade empresarial vão deixar de ser tolas. Pelo menos na Universidade, no meu curso de Gestão, não se ensinava a ser desonesto.

Se as outras operadoras fizerem o mesmo, chegará um dia que não terei nenhum serviço. Mas ainda ninguém morreu por não ter televisão, telefone ou Internet.

De fome sim.

Com os melhores cumprimentos,

Leonor 

PS Como proposta em nome da transparência sugiro que a data do fim do período de fidelização passe a estar visível no sítio pessoal da Internet.


Quando me apetecer ponho o nome real da operadora.

quarta-feira, novembro 16, 2011

Do mestre Vermeer

 A maid asleep


Desta vez sem a costumeira janela nem o chão quadriculado, mas como outros do Vermeer, deixando entrever num jogo de luz e sombras o que está para lá do delicioso tema central. 


A porta entreaberta é o chamariz irresistível que guia o nosso olhar curioso a espreitar.


(observações de uma leiga assumida que gosta desta criada adormecida)

sexta-feira, novembro 04, 2011

Da mãe

A CASA LUSITANA

Por Teresa Martins de Carvalho em 30/06/2003

«Todas as nações são mistérios» - Fernando Pessoa


Para nós, portugueses, o ano de 1999 foi inesquecível.

Verão fora, percorreu o país uma vaga imparável de excitação, de apreensão, de alegria incontida, de raiva impotente, uma paixão avassaladora que remexeu toda a gente, dando-lhe uma só voz a gritar por Timor, pela vitória, pela tragédia, pela esperança. Há muitos anos que tal não acontecia, os portugueses todos unidos por uma causa. Nem no 25 de Abril, tenham paciência... Talvez estremeção semelhante se tenha dado com a viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral ou, mais atrás, em 1890, quando do ultimato. Há mais de cem anos...

Mesmo já sem Império (ou quase, faltava Macau) ainda lutávamos pelo Império. E não me venham cá com histórias de solidariedade na luta pela democracia ou revoada de ajuda humanitária, coisas dessas. Portugal estremeceu até ao fundo do seu ser. Num assomo de responsabilidade? Sim, profunda, bem sentida. Profundo afecto, profunda saudade. Como se, de repente, se tivesse reencontrado consigo próprio, renascido da «vil tristeza», da chateza dos dias, das abstenções eleitorais, de governos cinzentos, de horizontes limitados pelo futebol e por Bruxelas.

Segundo o mais conceituado intelectual da nossa praça, Portugal criou-se como destino, desenhando para si desígnios de grandeza excessiva, de expansão no mundo desmesurado e esgotante, um Quinto Império feito de ilusão. Caídos agora na realidade, teríamos de olhar a nação, órfã do Império, de modo mais lúcido e humilde. Seremos o Senhor Oliveira da Figueira, esse português que aparece nas aventuras do Tim Tim, comerciante obsequioso que vende tudo pelas sete partidas do mundo, conta histórias tristes, chora e serve vinho da terra? Felizmente para o orgulho nacional, está sempre do lado dos bons...

Não estou de acordo com Eduardo Lourenço na sua desmistificação do sonho português e da cura que lhe propõe. Quem aceita ser português e ser lúcido? «Pelo sonho é que vamos» nos dizia Sebastião da Gama. «Cada vez que um homem sonha/ o mundo pula e avança» como cantava António Gedeão. O novo horizonte é sempre o sonho, ilhéus apertados entre o mar e as Espanhas. Neste imenso cais de despedida que é Portugal, os emigrantes pobres saem para a Europa, os mais inteligentes vão estudar para a América e por lá ficam.

Em 1961, quando começou a guerra colonial, dizia-me uma camponesa alentejana, analfabeta, bem estabelecida na sua charneca: «E agora se nos tiram Angola para onde é que nós vamos?»

Com o arriar da bandeira portuguesa em Macau, perdemos o resto do Oriente, esse Oriente onde a língua portuguesa chegou a ser língua franca. Perdemos o Oriente... Nas genealogias das famílias portuguesas do século XVI lá se menciona, insistentemente, «falecido no Oriente...», «Desaparecido no Oriente...». Não há mais Oriente para ir morrer.

O que nos resta? Redescobrir de novo a hispanidade dentro da Europa para equilíbrio das nações concordes num futuro comum? Apostar forte na lusofonia, na missão de cooperação e missão evangelizadora? Aprofundar a ligação ibero-americana numa «globalização» que iniciamos há séculos?
Nunca houve em Portugal tantos e tão bons poetas como no século que acabou, como se esta florescência final de um destino de devoradores de sonhos nos agarrasse a esta nesga de terra, irmã da saudosa Galiza que é guardiã de Compostela, o rumo espiritual dos europeus durante séculos. Finis terra. Um destino espiritual comum, Compostela-Fátima, numa Europa que perde a sua alma...

Como diz o Poeta:

«Cumpriu-se o mar.
O Império se desfez.
Senhor! Falta cumprir-se Portugal!»

Da mestre * Sophia

O Rei de Ítaca

A civilização em que estamos é tão errada que
Nela o pensamento se desligou da mão

Ulisses rei da Ítaca carpinteirou seu barco
E gabava-se também de saber conduzir
Num campo a direito o sulco do arado



Sophia de Mello Breyner Andresen
O Nome das coisas (1977)

*Não quero usar mestra, mas se me obrigarem...