terça-feira, setembro 09, 2014

Pescarias ego quoque

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Já não há bárbaros, Faulques. Estão todos cá dentro. E nem sequer há ruínas como as de antigamente, acrescentaria mais tarde, em Osijek, enquanto fotografava uma casa cuja fachada desaparecera sob uma bomba e que, atrás dos escombros amontoados na rua, mostrava, ainda de pé, a quadrícula íntima dos quartos com móveis, utensílios domésticos e fotografias familiares dependuradas nas paredes. Noutro tempo, disse - deslocava-se com precaução entre os pedaços de betão e os ferros retorcidos, com a máquina fotográfica perto da cara, procurando o enquadramento perfeito -, as ruínas eram indestrutíveis. Não achas? Ficavam aí séculos e séculos, embora as pessoas usassem as pedras nas suas casas e os mármores nos seus palácios. E depois apareciam Hubert Robert ou Magnasco com o seu cavalete, e pintavam-nas. Agora não é assim. Repara nisto. O nosso mundo fabrica escombros em vez de ruínas e, assim que pode, lança-lhes um bulldozer e fá-los desaparecer, disposto a esquecer. As ruínas incomodam, importunam. E, claro, sem livros de pedra para ler o futuro, vemo-nos de repente na margem, com um pé na barca e sem moeda no bolso para Caronte."

Arturo Pérez-Reverte em O Pintor de Batalhas 
Edições Asa - Tradução de Helena Pitta

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