sábado, dezembro 31, 2011

A passagem de testemunho


2012: Então meu velho, que mensagem quer transmitir aqui ao seu herdeiro?
2011: Olha rapaz, fui considerado pelo meu pai, o 2010, um ano difícil, mas pelo que vejo tu vais suplantar-nos de longe!
2012: Ora, ora… Há quem diga que vou dar cabo da crise!
2011: Típica da juventude essa arrogância, ou será da tua mãe canadiana?
2012: Deixemo-nos de conversa. Afinal quer deixar a sua mensagem ou não?
2011: Vamos lá então. Gostava que durante o teu ano fosse implantada a Monarquia.
2012: Isso já é pedir muito, não acha?
2011: Então pelo menos que os monárquicos se unam e consigam passar a mensagem…
2012: Já me parece mais razoável, meu velho. Deve ser a única coisa em que concordo consigo…
2011: Espera, há mais! Ou pensas que só há uma tarefa a cumprir num ano? Não és nenhum político…
2012: Está bem, está bem! Diga lá de sua justiça.
2011: Tens de lutar para que a voz do povo seja finalmente ouvida.
2012: Está maluco? Então não existe uma coisa chamada Assembleia da República, onde estão sentados uma data de senhoras e senhores eleitos pelo povo?
2011: Pois sim, mas em primeiro lugar, muitos nem sequer votaram, votaram em branco ou nulo. Em segundo lugar, há quem tenha votado, não por convicção mas por voto útil ou voto de raiva. Assim, a dita Assembleia, não representa verdadeiramente o povo.
2012: Então mas que quer que eu faça? Ai, ai, ai… Já me está a dar trabalho demais…
2011: Queria que tu abrisses os olhos às gentes e mostrasses que há outros caminhos, outras formas de representação e de participação na política. Queria que transformasses ovelhas em homens. Já agora, gostava que conseguisses que alguns dos valores mais importantes numa sociedade voltassem a ter dignidade, como a honra e a palavra, por exemplo…
2012: O pai é um sonhador. Vive noutro ano, mesmo.
2011: Afinal concordas, ou não? Queres deixar a tua marca na História dos anos, ou não?
2012: Se isso der direito ao dinheiro do prémio Nobel, até quero…
2011: Tudo o que te ensinei não serviu de nada? Não viste o que se passou com as PPPs e o Parque Escolar, por exemplo? E as Novas Oportunidades? Nem falo de mais nada… Não deixes que te façam o que fizeram aos meus trisavós, bisavós, avós e pais. Tens de mostrar que vais mudar tudo.
2012: Não posso prometer, mas posso tentar. Preciso é que este povo me ajude. Adeus pai.
2011: Adeus filho. Não esmoreças e não te esqueças do passado. Sem ele não há futuro e o teu filho não nascerá.

segunda-feira, dezembro 26, 2011

Memórias a várias mãos do Natal dos Raposo na R. de S. Ciro


(texto em contínua evolução pelas mãos que o ditam, como exercício de memória)

Rua de S. Ciro. Casa da avó para nós, porque não chegámos a conhecer o avô.
Jantar do dia 25, com toda a família, o que queria dizer 6 filhos, respectivos maridos ou mulheres e 16 netos. A confusão do costume, correrias, gritos, a alegria do reencontro, mesmo que nos encontrássemos quase todos os sábados no mesmo sítio.
Uns dias antes chegava o perú do Alentejo, de comboio, confraternizava alegremente com as galinhas antes de ser embebedado para o dia de Natal, em que trôpego, tentava circundar os buxos.
Vinham “milhões” de perús em Novembro, eram engordados na R de S Ciro e vendidos para as embaixadas e pessoas que iam comprar à porta (Zeca).
No dia 25, íamos chegando, e corríamos directos para a salinha com porta para o jardim, onde a avó passava os dias, sentada à camilha, a fazer paciências com cartas minúsculas e já muito gastas.
Aos sábados entrávamos pelo portão, depois de tocar um sino. No Natal tínhamos direito à porta principal, ao lado, e havia uma sala que só era usada nessa altura (Catarina).
Depois do beijo respeitoso à avó e tios, começava a confraternização, os jogos… Jogar às escondidas naquela casa levava a muitas desistências, porque havia sempre vários que nunca eram descobertos.
A avó montava um presépio grande e já não sei em que altura chamava todos, acendia uma vela e, de joelhos, rezávamos e cantávamos ao Menino Jesus.
Das cantigas de Natal que se cantavam, ficou-me para sempre gravada na memória a estridente entoação que o Tio Quito dava á "noiiiiite do carameeeeelo !!!!" do "Entrai pastores, entrai". Todos os anos no Natal, quando oiço esta cantiga tento imita-lo. Mas nunca me sai bem... (Joana)
Quando eram pequenos os tios apanhavam no jardim o musgo para pôr no presépio. A avó Tim, às escondidas, punha dinheiro em notas debaixo do musgo com um nome de um pobre da rua. Depois dizia que aquele musgo já estava seco, as crianças tiravam-no, viam as notas com os nomes e iam dar as notas a essas pessoas, como se fosse um presente do presépio (Tia Bió).
A Ana Rita era posta em cima de uma mesa a imitar a Madre Rosa das Escravas (Catarina).
O jantar era numa mesa gigantesca, e aquele perú recheado não se compara com mais nada que tenhamos comido no resto das nossas vidas.
Nem me lembro bem dos presentes. Havia é claro, mas a lembrança de estar juntos é que fica.

quinta-feira, dezembro 01, 2011

Primeiro de Dezembro (pela mãe - 2003)

Por Teresa Maria Martins de Carvalho

Já não se usa. A “pátria” já não enche os corações. Na organização das nações como nações, o factor económico predomina. Nações viáveis são aquelas cujas estruturas terão capacidade para aguentar-se em pé, contra si próprias e as forças de destruição, que às vezes sobem à tona, e também contra aquilo ou aqueles que de fora se servem do país como caixote de lixo.

Não se insistiu muito no caso de as autoridades francesas e espanholas terem combinado entre si enxotar o Prestige, a escorrer nafta, para as costas portuguesas. O alerta “nacional” foi rápido e evitou o pior para Portugal.

Somos Europa, etc. e tal. Só às vezes... A mesma moeda nas vénias aos grandes que violam pactos cujas leis deveriam ser iguais para todos. Só quem recebeu a Europa Unida, de braços abertos como quem recebe a paz universal, lisa e limpa, se surpreenderá com estas infidelidades nacionais, ou melhor, a arrogância dos grandes, neste caso a França e a Alemanha... Sem elas não haveria Europa? Então aguentem para nós nos aguentarmos. O peso da economia dos dois países é determinante para a saúde económica da União Europeia. É “economicamente” conveniente. Quem faz as contas é que sabe.

Esta retoma útil da bandeira nacional tanto ajuda nas dificuldades dos grandes como na escapatória dos pequenos. Aquilo a que se chama pátria, volta a ter valor, não só para vitórias futebolísticas mas para exorcizar ameaças ou então para servir de encosto a uma posição difícil dos grandes, com piscar de olhos conivente.

Com o grande Mestre que foi Henrique Ruas, há largos anos aprendi, à mesa do PPM, uma frase de Santo Agostinho que me tem acompanhado desde então, como alicerce inabalável em que assentar o meu discurso político.

Populus est coetus multitudinis rationales, rerum quas diligit concordi communione sociatus (De Civit. Dei, XIX, 24)

(Povo é a porção da multidão racional associada pela comunhão concorde nas coisas que ama)

A pátria, o povo que nela encarnou, seria assim da ordo amoris, afirmação que irá concerteza incomodar os racionalistas de serviço. Até porque a data, exaltante e comovente, do 1º de Dezembro, que gera gritos incómodos, um pouco démodés, não se coaduna com a visão económica do novo viver europeu. Até os estudiosos reclamam que, no século XVII, só quando o governo espanhol apertou a bolsa aos contribuintes portugueses, estes se lembraram de que não eram espanhóis e que bem podiam ter outro rei... A Guerra da Independência esgotou depois o país mas o povo reconheceu que aquilo de que gostava (e nisso incluía o lugar real para o Duque de Bragança) não eram só “valores espanhóis”.

As forças do lugar, como diria o meu amigo Álvaro Dentinho, são muito mais determinantes para a identidade do povo, que o habita, do que se pode imaginar. Com litoral e oeste, somos filhos do poente, fácil cais de embarque para a saída, estamos não estamos, até inventámos a saudade para podermos sair sem remorso.

Dizem as más línguas que se Filipe II tivesse feito de Lisboa a capital das Espanhas, nunca teria havido restauração de Portugal, porque a força dos lugares, assim estimados, teria dado a Espanha essa humidade da costa portuguesa que, como disse o pintor Dali, se sente na pintura de Velásquez, cuja mãe como se sabe era do Porto. Pois. A Espanha (Castela, s. f. f.) tem uma enorme força centrípeta e que, até agora, com a ajuda da Monarquia, tem mantido unidas as autonomias, mas que colide sempre com a força centrífuga, não menos importante, que é Portugal. Assim estaremos equilibrados.

Não faz sentido festejar o 1º de Dezembro? Outra invasão, insidiosa, talvez mais potente do que o exército do Duque de Alba, vem acontecendo, com o aval de todos, agora quando nem sequer já há pesetas...

Comprar produtos espanhóis, descontar em bancos espanhóis, ir ao médico ou ao dentista espanhóis... Se forem bons, tanto melhor. Ser espanhol não é por si uma ameaça apesar de andarmos com a Espanha às costas... Estamos habituados às misturas que aprendemos em África, na Ásia e no Brasil. Se, na maré enchente da União Europeia, houver sobrevivência de Portugal, suficiente para se reconhecer a si próprio, será sempre indicando essas lonjuras, pátria de pátrias...

É o poder económico que vai "comprando", no verdadeiro sentido da palavra, o solo português, como fizeram os judeus na Palestina. Os espanhóis compram terrenos no Alentejo, fábricas, lojas, bancos, consultórios. Já nem é preciso gritar para recuperar Olivença. Ela virá ter connosco através desta ocupação do território... Há portugueses, sobretudo na raia, que não se importavam de ser espanhóis. Ganhavam mais. Viviam melhor. É sempre o factor económico.

Festejar o 1º de Dezembro? Quem não se lembra do seu passado não pode viver convictamente o presente. Comer bolachas espanholas não baralha necessariamente o ser e o estar, essa distinção da língua que nos guarda de confusões, patrióticas ou outras. 

in http://jacarandas.blogspot.com/2003_12_01_archive.html

Restauração



Significativo o facto de este ser o meu centésimo post.