Por Teresa Martins de Carvalho em 30/06/2003
«Todas as nações são mistérios» -
Fernando Pessoa
Para nós, portugueses, o ano de
1999 foi inesquecível.
Verão fora, percorreu o país uma
vaga imparável de excitação, de apreensão, de alegria incontida, de raiva
impotente, uma paixão avassaladora que remexeu toda a gente, dando-lhe uma só
voz a gritar por Timor, pela vitória, pela tragédia, pela esperança. Há muitos
anos que tal não acontecia, os portugueses todos unidos por uma causa. Nem no
25 de Abril, tenham paciência... Talvez estremeção semelhante se tenha dado com
a viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral ou, mais atrás, em 1890, quando do
ultimato. Há mais de cem anos...
Mesmo já sem Império (ou quase,
faltava Macau) ainda lutávamos pelo Império. E não me venham cá com histórias
de solidariedade na luta pela democracia ou revoada de ajuda humanitária,
coisas dessas. Portugal estremeceu até ao fundo do seu ser. Num assomo de
responsabilidade? Sim, profunda, bem sentida. Profundo afecto, profunda
saudade. Como se, de repente, se tivesse reencontrado consigo próprio,
renascido da «vil tristeza», da chateza dos dias, das abstenções eleitorais, de
governos cinzentos, de horizontes limitados pelo futebol e por Bruxelas.
Segundo o mais conceituado
intelectual da nossa praça, Portugal criou-se como destino, desenhando para si
desígnios de grandeza excessiva, de expansão no mundo desmesurado e esgotante,
um Quinto Império feito de ilusão. Caídos agora na realidade, teríamos de olhar
a nação, órfã do Império, de modo mais lúcido e humilde. Seremos o Senhor
Oliveira da Figueira, esse português que aparece nas aventuras do Tim Tim,
comerciante obsequioso que vende tudo pelas sete partidas do mundo, conta
histórias tristes, chora e serve vinho da terra? Felizmente para o orgulho
nacional, está sempre do lado dos bons...
Não estou de acordo com Eduardo
Lourenço na sua desmistificação do sonho português e da cura que lhe propõe.
Quem aceita ser português e ser lúcido? «Pelo sonho é que vamos» nos dizia
Sebastião da Gama. «Cada vez que um homem sonha/ o mundo pula e avança» como
cantava António Gedeão. O novo horizonte é sempre o sonho, ilhéus apertados
entre o mar e as Espanhas. Neste imenso cais de despedida que é Portugal, os
emigrantes pobres saem para a Europa, os mais inteligentes vão estudar para a América
e por lá ficam.
Em 1961, quando começou a guerra
colonial, dizia-me uma camponesa alentejana, analfabeta, bem estabelecida na
sua charneca: «E agora se nos tiram Angola para onde é que nós vamos?»
Com o arriar da bandeira
portuguesa em Macau, perdemos o resto do Oriente, esse Oriente onde a língua
portuguesa chegou a ser língua franca. Perdemos o Oriente... Nas genealogias
das famílias portuguesas do século XVI lá se menciona, insistentemente,
«falecido no Oriente...», «Desaparecido no Oriente...». Não há mais Oriente
para ir morrer.
O que nos resta? Redescobrir de
novo a hispanidade dentro da Europa para equilíbrio das nações concordes num
futuro comum? Apostar forte na lusofonia, na missão de cooperação e missão
evangelizadora? Aprofundar a ligação ibero-americana numa «globalização» que
iniciamos há séculos?
Nunca houve em Portugal tantos e
tão bons poetas como no século que acabou, como se esta florescência final de
um destino de devoradores de sonhos nos agarrasse a esta nesga de terra, irmã da
saudosa Galiza que é guardiã de Compostela, o rumo espiritual dos europeus
durante séculos. Finis terra. Um destino espiritual comum, Compostela-Fátima,
numa Europa que perde a sua alma...
Como diz o Poeta:
«Cumpriu-se o mar.
O Império se desfez.
Senhor! Falta cumprir-se
Portugal!»
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