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Se a vida política é convívio de homens, tem de os
aceitar como são – com ideias, com interesses, com opiniões, com reflexos
distintos.
Uns, como os fascistas, esperam criar ideias
uniformes e acabam contentando-se com meros reflexos, condicionados por uma
propaganda eficaz. Outros, como os democráticos, satisfazem-se com a variedade
de opiniões, servidas ao pequeno almoço com o diário do partido.
Já vimos os resultados práticos destes sistemas.
Quer-nos parecer que o grande erro está em
considerar o “homem político” como apenas dotado de opiniões ideológicas,
quando há que o entender na sua integridade – dotado de opiniões, sem dúvida,
mas com interesses reais e reais razões.
As razões podem discutir-se; os interesses podem
harmonizar-se; só as opiniões se chocam ou se esmagam.
A nosso ver há que procurar que a vida política
reflicta adequadamente as várias razões e os vários interesses de todos os
portugueses, e que ao debater aquelas e ao acomodar estes, os portugueses sejam
naturalmente levados a encontrar-se, por cima dos seus reflexos de proletário
ou de visconde, para além das suas opiniões sobre a Reforma Agrária ou a
nacionalização da C.U.F.
Este objectivo – a nossos olhos, o objectivo de
toda a política autênticamente portuguesa – poderá porventura tentar-se em
moldes partidários; só apesar deles se poderá conseguir.
Para tanto, seria necessário um grau de progresso
económico, social e cívico, que se se terá alcançado na Suíça ou no Canadá,
falta ainda à Itália e à França. E quem poderá afirmar que ultrapassámos todos
os latinos em amor do real, em tolerância de espírito, em largueza de vistas?
Deverão ser as próprias formas da vida política
nacional quem naturalmente neutralize a virulência das lutas ideológicas, sem
coarctar a liberdade e a fecundidade da convivência dos portugueses.
Importa portanto que a Representação Nacional espelhe,
não tanto as opiniões que dividem e os partidos que partem, mas as razões que
se escutam e os interesses que se integram.
Rivera Martins de Carvalho
Excerto do texto “Esboço
para um plano de trabalho” redigido por RMC mas publicado sob a
responsabilidade da 1ª Comissão Executiva do Instituto António Sardinha: Manoel
Galvão, Gastão da Cunha Ferreira, Henrique Barrilaro Ruas, Fernando Calheiros
Vellozo e Rivera Martins de Carvalho e republicado em “Diário Político e outras
páginas”, Biblioteca do Pensamento Político, 1971
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