Sempre se sentira desamada. Mais mal-amada, talvez. Ou menos
amada do que amava. Não sabia bem explicar.
Sofregamente procurava o olhar dos outros em busca da
palavra maldita. Em todos ansiava ver esse amor que jurava nunca ter conhecido. Sofregamente queria tudo, mesmo o fingido. Sobretudo o fingido. E
perdia-se.
Até o espelho entrava nesse jogo do desamor. Daí a colecção
de espelhos. Procurava-os nas lojas, feiras e antiquários tão sofregamente como procurava os olhares.
Quando chegava ao seu apartamento com uma nova compra,
pendurava-a, sempre no mesmo prego, colocado de propósito no quarto para esse
fim. Depois, afastava-se um pouco e fechava os olhos. Uns segundos infinitos de desassossego depois, reabria-os, expectante da surpresa de finalmente se encontrar. Amada.
Não, aquele ainda não. Nunca era... Meio conformada mas angustiada, acabava por empilhá-los um a um no chão, encostados às paredes, a aguardar aquele dia. O da libertação.
Quando estava sozinha, doía, mas doía tanto… Uma dor difusa, uma desinquietação entre o pescoço e a pélvis, que apertava, apertava tanto... Enchia-se então de
ben-u-rons, arranjava um saquinho de água quente, e sem saber porquê surgia-lhe a ideia estranha de que a
dor da solidão era afinal quase gémea da que sentia quando estava a apaixonar-se.
Ontem encontrara um olhar. Não era fingido, pensou, talvez
este…
Olhava agora a cama com um sorriso doce. Fechou cuidadosamente a porta e
saiu para comprar um espelho.
Sem comentários:
Enviar um comentário