Há uma fotografia da minha avó
Tim (pequena mas extraordinária e corajosa mulher do nosso avô Hipólito Raposo)
com os 6 netos da altura, tirada no Verão de 1964.
O meu pai morreu nesse Verão. A
15 de Agosto.
Não se preocupe, pai, porque a
mãe fez tudo para que estivesse presente. O pai era uma espécie de herói da
mãe, e passou a ser o nosso herói. Em todas as oportunidades contava-nos
histórias sobre o pai. Super inteligente, raiando a genialidade, com imenso sentido
de humor, congregava em si quase todas as qualidades.
Únicos defeitos, mau génio e um
zero à esquerda na arte do desenho. E logo tinham de calhar a mim, como única
herança genética, essas facetas...
Sempre que podia, a mãe também
nos proporcionava figuras que de alguma forma pudessemos sentir como paternais.
O tio João, por exemplo, chamado à pressa para vir ralhar quando já nada
resultava, o Vasco Vieira de Almeida, amigo do pai, que nos ia supervisionando,
mais tarde o Jorge Sottomayor de Almeida...
Devia ser a única dos três com
lembranças do pai, mas tenho poucas.
Lembro-me de coisas que fiz
consigo.
Lembro-me de estar sentada à sua
frente na garupa da égua garrana de Cinfães. É verdade que há fotografia, mas
tenho memória física desse andar a cavalo.
Lembro-me de ir voar de avioneta.
Da sala de espera do aeródromo, nem sei qual, e do “chão” da avioneta. Devia
estar cheia de medo, para me lembrar do olhar para baixo.
E lembro-me da sua mão. Não me
lembro da sua cara mas lembro-me da sua mão. Era muito importante, a sua mão.
Grande e segura. E tenho a certeza que era a sua mão, porque a unha do polegar
era diferente, e a mãe explicou que tinha sido pisada por um cavalo.
Parece que é pouco, mas para mim
é tudo.
Lembro-me da mão do meu pai.
Lisboa, 19 de Março de 2011
(Soube depois que a fotografia que me levara a escrever o texto tinha sido tirada em Setembro, exactamente aquando da missa pelos trinta dias da morte. Não está aqui por razões óbvias.)